“Se alguém chegasse de repente e me dissesse: ‘Quero conhecer a história do século XX, mas tenho apenas uma tarde’, eu lhe diria sem medo de errar: vá a Berlim. E se ele fizesse uma caminhada de Alexanderplatz ao Kurfürstendamm, iria encontrar vestígios inequívocos dessa história: opulência imperial, genialidade artística, avanços científicos, insanidade fascista, utopia comunista, capitalismo desenfreado, projeção futurística. A cidade parece ser a encruzilhada onde os protagonistas do século resolveram se encontrar. E com o tempo foram deixando marcas que tornaram a cidade uma grande galeria das belezas e desgraças da humanidade. Os diversos monumentos (voluntários e involuntários) de Berlim são tão expressivos que tanto maravilham quanto assustam. Berlim e a memória de Berlim muitas vezes se confundem.” Tuca Vieira
Este artigo não vai da Alexanderplatz ao Kurfürstendamm como propõem Tuca, na verdade começa no meio deste caminho, no Brandenburger Tor e segue pela avenida Unter den Linden até o canal Kupfergraben. Apesar de ser bem menor que o percurso proposto, ainda assim consegue resumir muito do que pode ser apreciado no caminho completo. Um trecho de aproximadamente 1,5Km que pode ser percorrido em 20 minutos ou apreciado inteiramente por todo um verão se visitar todos os seus recantos e pontos de interesse espalhados ao longo do caminho e ao seu redor em ruas transversais e paralelas.
Portão de Brandemburgo
Nosso passeio começa pelo Portão de Brandemburgo, localizado na Pariser Platz, foi inaugurado em 1791 para ser o portão real da cidade. Seu projeto, de autoria de Carl G. Langhans, foi inspirado na Acrópole de Atenas. Suas colunas estão espaçadas de forma desproporcional, isso porque somente a família real podia atravessar a parte central, mais larga; sua comitiva utilizava as passagens adjacentes enquanto que a população em geral podia apenas usar as passagens laterais, mais estreitas. No alto portão pode ser vista a escultura “Quadriga”, de autoria de Johann G. Schadow, que retrata a Deusa da Vitória Alada, dirigindo uma biga puxada por quatro cavalos. Em 1806, após derrotar a Prússia, Napoleão apoderou-se da escultura e a levou para Paris, de onde foi resgatada em 1815 por um general prussiano.
A muito tempo que o Portão de Brandemburgo tem sido palco de diversas manifestações e comemorações públicas. A festa de ano novo mais tradicional da Alemanha ocorre ao seu redor e o evento mais significativo foi sem dúvida a comemoração pela queda do muro de Berlim que teve sua maior concentração neste local.
Na Pariser Platz, em frente ao portão, há sempre uma grande concentração de turistas. O consulado americano fica localizado nesta praça, no canto, ao lado do portão. Visto deste ângulo parece um prédio pequeno, mas é na verdade muito grande, ocupando 1/3 do quarteirão e se estendendo até a rua paralela, onde por sinal, sua fachada fica de frente para o “Monumento aos Judeus Mortos na Europa”, também conhecido como “Memorial do Holocausto”. Monumento esse que mesmo não fazendo parte do nosso percurso precisa ser visitado –
sempre. É um desses lugares onde a experiência dos sentidos é única com um significado individual para cada visitante.
Bares ao ar livre no canteiro central da Unter den Linden
Seguindo pela Unter den Linden, o primeiro grande prédio de destaque, pela sua história e arquitetura, é a Embaixada da Rússia. É sem dúvida a maior das embaixadas de Berlim. À seguir, de frente para a Glinkastarasse (rua transversal), fica o Komische Oper, a Ópera Cômica. O teatro original foi inaugurado em 1764, mas a estrutura principal data apenas de 1892. O interior barroco contrasta fortemente com a fachada funcional dos anos 60, restaurada após a 2ª Guerra Mundial.
A Staatsbibliothek zu Berlin (Biblioteca Estadual de Berlim), desta vez à esquerda, ocupa todo um quarteirão e guarda diversos tesouros, entre eles a partitura original da 9ª Sinfonia de Beethoven, uma Bíblia de Gutenberg e um livro de provérbios do século III.
Ao final do canteiro central da Unter den Linden, fica um monumento em bronze dedicado a vários militares, cientistas, artistas e pensadores alemães. O monumento foi inaugurado em 1850, após ter sido trabalhado por 12 anos pelo seu autor, Christian D. Rauch. O cavaleiro em destaque, no alto, é Frederico O Grande. Frederico II, Rei da Prússia entre 1772 e 1786, foi um grande apreciador e incentivador das artes e da ciência, mas por influência de seu pai – Frederico I – foi também um grande líder militar, liderando a Prússia com sucesso em três guerras. Além disso, foi um hábil administrador levando a Prússia a um grande desenvolvimento econômico. Por todos esses feitos é também chamado de Frederico O Grande.
Ao lado da biblioteca fica a Humboldt Universität, a mais antiga universidade de Berlim, em funcionamento desde 1810. Seu prédio foi originalmente o Palácio Real da Prússia. Hoje com 35 mil alunos tem entre seus alunos mais famosos, Max e Engels e uma lista de 29 ganhadores de prêmios Nobel. Entre seus professores mais ilustres, Albert Einstein que dispensa apresentações e os irmãos Grimm, autores de vários contos infantis, entre eles “João e Maria” ou “Hänsel und Gretel” no original em alemão.
Do outro lado da avenida, de frente para a Bebelplatz (praça) encontra-se a antiga Biblioteca Real. Parte da Humboldt Universität desde 1914, o belíssimo prédio de fachada curvilínea da Alte Königliche Bibliothek, abriga atualmente a Faculdade de Direito. Atrás das colunas centrais fica a Sala de Leitura, onde Lênin costumava ler.
Do outro lado da Bebelplatz, fica a Staatsoper Under den Linden, a exuberante Ópera Nacional com projeto original de Knobelsdorff e inaugurada em 1743, foi reconstruída três vezes. Atualmente encontra-se novamente em reforma, com re-abertura prevista para 2013.
Carruagem para passeio de turistas pela Unter den Linden
Neste mesmo lado da avenida, a seguir encontra-se o Opernpalais. Em seu momento mais relevante foi conhecido como Prinzessinnenpalais, ou Palácio das Princesas. O palácio em estilo barroco construído a princípio para o tesoureiro da Prússia em 1733, foi escolhido por Frederico Guilherme III para ser a moradia de suas três filhas. O Opernpalais atualmente é ocupado por um restaurante de alta classe, famoso por seus bolos especiais.
Ao lado fica o palácio que servia de moradia para o príncipe herdeiro, o Kronprinzenpalais, onde residiu o jovem Frederico, antes de se tornar “O Grande”. No início do século passado funcionou como uma galeria para artistas contemporâneos, fechada pelos nazistas que não aprovavam esta arte. Seu momento alto na história recente foi servir de palco para assinatura do acordo formal de reunificação da Alemanha, em 31 de agosto de 1990.
Do outro lado da avenida, fica a Neue Wache. Primeiro grande projeto do arquiteto Karl Friedrich Schinkel em Berlim, o prédio em estilo romano foi construído em 1818 para ser a Casa da Guarda Real. Atualmente abriga um memorial contra a guerra. No pátio interno, coberto em 1931, fica a escultura de Käthe Kollwitz, que retrata uma mãe embalando o filho soldado morto. Sob o piso estão os restos mortais de um soldado e um resistente desconhecidos, e terra de oito campos de concentração nazistas.
Vista noturna da Unter den Linden com Tiergarten ao fundo
A Unter den Linden termina na Schlossbrücke, uma ponte que leva a avenida Schlosseplatz. Nesta ponte existem oito enormes esculturas de mármore que representam a vida e a morte de um guerreiro. As esculturas foram desenhadas por Schinkel, de 1820, mas realizada apenas em 1840, após a morte do arquiteto.
Os prédios mencionados neste artigo são apenas uma amostra do que há na Unter den Linden, muitos outros pontos de interesse podem ser encontrados não só nesta avenida com em toda a região ao redor da mesma. Conhecida como Mitte, esta região é riquíssima em história, arquitetura, cultura e diversão. Quando visitar Berlim, se possível reserve no mínimo um dia para andar muito e ver apenas o resumo do que ela tem a oferecer. Se tiver mais de um dia, certamente irá encontrar inúmeras oportunidades de se entreter.