A Complexidade da Imagem

Analise esta fotografia:

Sagi Kortler - Israel - Vencedora do Lens Culture Street Photography 2015

Sagi Kortler, Israel, Untitled

O autor desta fotografia é Sagi Kortler, um fotógrafo freelance israelense especializado em fotografia de rua. Esta imagem ganhou o primeiro lugar na categoria ‘Single Image’ do LensCulture Street Photography Awards 2015. Muitas coisas chamam a atenção nesta imagem, mas vamos analisá-la metodicamente.

Em primeiro lugar a qualidade técnica. É excelente; tem uma composição tradicional perfeita, está muito bem exposta e editada.

Apesar de ter sido feita na praia, é uma fotografia de rua, Sagi mora em uma cidade a beira mar. É uma fotografia autoral, ou seja, não foi feita com nenhuma finalidade comercial ou jornalística.

O tema são pessoas em atividades típicas do local em que se encontram. Tomando banho de água doce em chuveiros públicos na praia.

O fotógrafo enquadrou dois chuveiros na imagem, na verdade dois grupos de chuveiros, cada um com três chuveiros. O da direita com uma única pessoa tomando banho e o da esquerda com três pessoas e uma quarta pessoa aguardando sua vez.

O grupo da esquerda é composto por três senhoras brancas e um rapaz também branco. A pessoa da direita é um rapaz negro.

Existem alguns outros aspectos que podemos analisar mas estes são os fundamentais.

Qual a sua opinião sobre a imagem?

Talvez não tenha o apelo de uma fotografia de Kertesz ou Cartier-Bresson, mas é uma ótima imagem, assim como várias outras imagens deste fotógrafo e tenho certeza – apesar de não conhecer – como também várias outras imagens que foram submetidas para o LensCulture Street Photography Awards 2015.

Por que então esta imagem foi a grande vencedora?

Não posso afirmar isso com certeza, é apenas minha opinião, mas acredito que por causa da força da mensagem óbvia da imagem: racismo.

A imagem grita racismo, e essa é a primeira impressão que todos têm quando vêem esta imagem. Inclusive, lembro que na época em que saiu o resultado do concurso, teve um grande debate sobre o racismo nas praias de Israel e em Israel em geral, que acabou misturando religião e política. A confusão de sempre.

Mas vamos analisar novamente a imagem. Esqueça a questão do racismo. O que mais podemos perceber nela?

Vamos supor que você seja um frequentador assíduo desta praia. No verão a praia tem ficado muito cheia e os chuveiros disponíveis não estão dando conta do movimento, estão formando filas e para piorar a situação, têm vários chuveiros quebrados. Você percebeu que no chuveiro da direita, aparentemente apenas um está funcionando, enquanto que no da esquerda os três estão em boas condições? Veja lá, a correntinha que aciona os chuveiros estão quebradas em dois dos chuveiros do lado direito.

Vamos pensar numa outra possibilidade. O fotógrafo está se preparando para tirar uma fotografia com este mesmo enquadramento, e em cada chuveiro tem um rapaz tomando banho. É uma excelente composição, muito bem equilibrada. Nisso, chega pela esquerda um grupo de três senhoras amigas, conversando sobre a vida, os filhos e os netos. Tinha apenas dois chuveiros disponíveis, mas como elas estavam entretidas com a conversa nem pensaram em se separar em busca de outro chuveiro, afinal de contas, em 2 minutos elas acabam o banho.

Porém, a interpretação “racista” também é válida. Pode ser que realmente as pessoas brancas preferiram se espremer no chuveiro da esquerda para não ter que interagir com o rapaz negro no chuveiro da direita.

O ponto é, se não houve nenhuma manisfestação explícita de racismo através de comentários ou olhares evidentes, nem mesmo o fotógrafo pode ter certeza absoluta das razõs pelas quais as pessoas usaram o chuveiro que usaram. Muito menos nós, meros observadores da imagem deslocados física e temporalmente, temos como afirmar o que realmente se passou ali, naquele instante.

Contexto ajuda muito, claro. Se a fotografia tivesse sido feita na África do Sul nos anos 80 ou no Alabama na década de 50, eu não teria dúvidas sobre as motivações de cada um. E mesmo assim eu poderia estar errado.

Primeiras impressões são muitas vezes superficiais. Quando você for observar uma fotografia, se esforçe em procurar pelos detalhes. Tente se informar sobre o contexto em que a fotografia foi tirada. Não se deixe influenciar pela legenda ou pelo título do artigo. Da legenda confie apenas nas informações relativas a fotografia, como o autor, data e local.

E o mais importante: desconfie! Nunca se sabe quando a edição da imagem alterou de forma significativa aquilo que está sendo mostrado.

E finalmente, fica aqui uma dica, visite o website de Sagi Kortler para conhecer o seu trabalho. Tem muitas imagens incríveis lá. http://www.sagi-k.com/

Carlos Alexandre Pereira

Fotógrafo autoral interessado por explorações urbanas, expedições fotográficas, fotografia abstrata e minimalista, com uma preferência por fotografia P&B que se reflete em um portfólio quase monocromático. Portfólio autoral e comercial de arquitetura em CAP Fotografia. Fotografia Fine Art em séries limitadas disponível sob encomenda.

Instrutor de cursos e workshops de fotografia, individuais ou em grupo. Guia de expedições fotográficas e explorações urbanas. Editor e autor de artigos sobre fotografia e viagens na FEA Editora.

 

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