Dartmoor, é um dos maiores parques nacionais ingleses, certamente o maior da região sudoeste. Localizando na região de Devon, cobre aproximadamente 953Km2 de região rural e selvagem. Algo que achei interessante no parque nacional de Dartmoor, foi que dentro da região do parque, existem propriedades rurais, criadores de equinos, vilarejos e até pequenas cidades. Dartmoor é caracterizado por uma vegetação pantanosa, de relevo baixo, com poucas colinas de pedra. O pico da colina mais alta fica a aproximadamente 620m acima do nível do mar. Não sou especialista em botânica, mas pelo que pude perceber tem uma pequena variedade árvores, que raramente se encontram agrupadas em quantidade suficiente para formar um pequeno bosque. Para fotografia de paisagens, eu diria que reúne características muito boas!
Alguns dos fotógrafos ingleses de paisagens que admiro moram e trabalham na região de Dartmoor, por isso, quando tive a oportunidade, fiz questão de conhecer a região. Minha visita aconteceu em Dezembro de 2012, em um dos invernos mais rigorosos dos últimos 10 anos no Reino Unido. Além do frio, foi também um final de semana de muita chuva, na maior parte do tempo fina e gelada, mas as vezes forte o suficiente para obrigar a gente a se abrigar em algum lugar. Final de semana de dias curtos de inverno, muito frio e chuva, e mesmo assim consegui capturar algumas imagens que valeram a pena a viagem.
Saí cedo de Redhill, cidade que fica ao sul de Londres, em um trem em direção à Newton Abbot, com uma baldeação em Reading. No total foi uma viagem de pouco menos de 4hrs de duração. Newton Abbot é uma típica cidade do sudoeste da Inglaterra, pequena, voltada para atividades rurais e de pesca e, passando por grandes dificuldades econômicas no momento. Após almoçar peixe com batatas e legumes em um típico pub inglês, tipicamente situado na high street (rua principal), pegamos um táxi para o hotel, localizado em Torbryan, um distrito vizinho.
The Old Church House Inn é o nome do hotel. O hotel fica em um prédio que orginalmente abrigava a casa da igreja – Torbryan’s Church House. Na idade média e posteriormente, eram comum casas anexas as igrejas, onde funcionavam estalagens – Inns – que abrigavam viajantes e serviam comidas e bebidas (cerveja Ale, na época quente e sem gás). A construção original data do século 13, mais antiga que a igreja atual que ainda existe ao lado do hotel, que data do século 15. Isso mesmo, três séculos antes da descoberta do Brasil, coisas do velho mundo. Na verdade, a construção original do século 13 abriga apenas uma sala de estar com uma lareira gigantesca, onde originalmente eram assados os pães e produzida a cerveja comercializada pelo Inn. No século 15, mesma época de construção da igreja atual, o prédio foi expandido consideravelmente e, esta nova área atualmente é ocupada pela recepção do hotel, bar e restaurante no térreo, e a maior parte dos quartos fica no segundo andar.
Em 1938, foi salvo da demolição por Howell Paine, que comprou e reformou inteiramente o hotel, ampliando e criando espaço para uma cozinha moderna e alguns quartos maiores e mais luxuosos, que oferecem um banheiro integrado! Em uma foto aérea do website do hotel pode se observar claramente a distinção entre o prédio original, a primeira expansão e o anexo final.
A decoração do hotel é uma verdadeira coleção de velharias antiguidades. O teto de madeira possui um acabamento natural de fuligem de lareira e suas vigas servem de suporte para uma infinidade de quinquilharias itens de decoração. O hotel oferece wi-fi, mas como a antena do equipamento fica na recepção do hotel e as paredes ao redor possuem aproximadamente 1 metro de espessura, o wi-fi só funciona na recepção mesmo.
O hotel se estende ao longo de uma colina, com a recepção na parte baixa e, apesar de ter subido dois lances de escada de pedra para chegar ao meu quarto, haviam dois pôneis pastando na janela do que seria o melhor quarto do hotel. O banheiro, esse assim um anexo com menos de 50 anos de idade na construção, era bem equipado e após um certo trabalho de dedução e tentativas frustradas, propiciou um bom banho quente, de banheira, ao lado de outra janela com pôneis. Não eram muitos pôneis, acho que não mais de 10 em uma área de uns 600m2 ao lado hotel; mas eles eram bastante sociáveis, e gostavam de janelas.
Não me entenda mal, o hotel é bastante peculiar e cheio de personalidade. O café da manhã era bom, tipicamente inglês, mas bom. E as refeições servidas pelo restaurante eram excelentes, nada de excepcional, mas muito bem feitas. A cerveja Ale, receita moderna e gelada – ou quente, se você preferir – é forte e encorpada. Para passar um final de semana diferente é a opção ideal!
No dia seguinte bem cedo, um sábado, recebi para o café da manhã no hotel, um fotógrafo inglês da região que conheci pela internet e, com quem havia combinado para me guiar pela minha exploração de Dartmoor. Seu nome é David Clapp e seu trabalho pode ser conhecido em seu website: www.davidclapp.co.uk
Saímos do hotel em direção a Dartmoor no carro de David. Um carro comum, se não me engano um Ford Focus, digo isso para ressaltar que não é preciso um Jeep 4×4 para ir longe em Dartmoor. Como toda a região do parque possui, não muitos, mas alguns pequenos vilarejos onde residem os trabalhadores das pequenas propriedades rurais, e também um bom número de casas de veraneio, o parque é cortado por estreitas estradas asfaltadas.
Bom, as estradas são asfaltadas e em ótimo estado de conservação, mas rapaz, como são estreitas! Em alguns pontos mal passa um carro comum, o que dirá um caminhão. O problema é que todas as estradas são de mão-dupla, ou seja, volta e meia você precisa sair da estrada para dar passagem para um carro contrário, ou até mesmo um caminhão transportando leite, feno ou animais. Em vários trechos de aclive ou declive, a estrada corta fundo a paisagem criando paredes laterais. Uma hora o David foi obrigado a andar mais de 5 minutos de ré para dar passagem para um caminhão, outra hora foi uma velhinha dirigindo um Land Rover Discovery, que aliás é o carro preferido por 8 entre 10 moradores da região.
Outra constante no Parque nacional de Dartmoor são cercas baixas de pedra, principalmente nas áreas mais planas, onde a estrada não corta fundo a vegetação. As cercas acompanham as estradas e servem para evitar que os animais fiquem cruzando as estradas a todo momento. Os animais não ficam inteiramente cercados, existem várias passagens permitindo a livre locomoção em qualquer direção do parque. As cercas agem como direcionadores do tráfego dos animais. Enfim, as cercas são uma atração à parte, sendo todas elas de pedra e baixa, mais ou menos um metro de altura, elas compõem muito bem a paisagem do parque.
Tudo isso apenas soma ao charme da região. As estradas estreitas de asfalto escuro, ladeadas por cercas baixas de pedra, cortando a paisagem, formam um ótimo cenário tanto para imagens capturadas de pontos altos quanto para imagens mais próximas. Tanto a vegetação como a ondulação do terreno sendo baixas, permitem que em pontos altos você tenha uma visão de longo alcance, sem elementos naturais para criar obstáculos. E ao mesmo tempo é diferente de um deserto onde o cenário é todo igual, com pouca variação de cores ou relevo visíveis.
Outro atrativo são as formações rochosas de granito que surgem em determinados lugares, criando pontos altos contrastantes com a extensa vegetação do parque. São chamadas Tor. São perfeitas para elevar a perspectiva na hora de fotografar e também para serem fotografadas. Sem contar que atraem muitas pessoas para pratica de escalada, o que sempre cria imagens excelentes.
As árvores encontradas em Dartmoor também são um atrativo pela sua disposição e aparência. Eu consegui achar o nome de três espécies comuns no parque: Ash (Freixo), Oak (Carvalho) e Hawthorn (Espinheiro). A minha preferida é a Hawthorn, eu achei ela traduzida como “Espinheiro”, mas não confiei muito, por isso vou continuar chamando de Hawthorn mesmo. Esta árvore costuma aparecer isolada, distante umas das outras, permitindo serem fotografas sozinhas. Seu tronco e galhos retorcidos são sensacionais, principalmente porque a folhagem – pelo menos no inverno – é bem rala e tanto tronco quanto galhos ficam bem evidentes. Dependendo do horário do dia – ou da edição – podemos criar uma imagem bem fantasmagórica, estilo Tim Burton.
Já mencionei os pôneis, que podem ser vistos em bom número pelo parque. Apesar deles serem criados soltos, não são selvagens, são na verdade de propriedade de criadores diversos. Aparentemente a criação de pôneis é uma atividade ainda bastante comum no sul da Inglaterra, já foi mais, hoje em dia nem tanto. Além de pôneis há também criação de outros animais como ovelhas, porcos, etc; mas estes ficam mais resguardados dentro dos limites das propriedades rurais. Há também uma grande quantidade animais selvagens de pequeno porte, entretanto, talvez porque não tenha me afastado muito das estradas, além de ser inverno, não vi nenhum.
A arquitetura típica da região é um cartão postal atrás do outro. As casas com aqueles telhados que parecem palha de longe, encravadas em encostas ou nas poucas concentrações de árvores, ao lado de pequenos rios. Ou então pequenas aglomerações de casas ao longo de entroncamentos nas estradinhas, ou ao redor de igrejas centenárias. Pequenos pubs com grandes lareiras e mesas minúsculas.
Igrejas em abundância. Centenárias, sempre com um pequeno cemitério anexo. Algumas das lápides mostram datas como 17XX, 16XX e até mesmo 15XX. Igrejas grandes e pequenas, com interior em madeira, bastante trabalhado, sempre abertas, mesmo que vazias, silenciosas.
Uma coisa que pouca gente sabe é que Stonehenge não é a única formação de pedras em forma de círculo existente no Reino Unido. Existem várias outras, algumas tão grandes quanto, mas estas maiores não são tão bem conservadas. Por outro lado existe uma boa quantidade de pequenos círculos de pedra, ou com pedras menores, em bom estado de conservação. Em Dartmoor existem alguns, infelizmente nenhum tão bem conservado como Stonehenge. Mas são claramente identificáveis, e segundo pesquisas tão antigos quanto. Infelizmente quando visitei um destes círculos de Dartmoor já estava bastante escuro e chovendo forte, então não consegui capturar nenhuma imagem boa.
Isso mostra que, apenas um dia em Dartmoor é muito pouco, sequer para conhecer, muito menos para fazer um trabalho de captura de imagens de qualidade. Como disse no início, conheço alguns fotógrafos que moram na região e estão sempre capturando imagens novas e originais pelo parque. Certamente Dartmoor está na minha lista de destinos para expedições fotográficas.
Carlos Alexandre Pereira
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